Paula acordou animada, não era um dia como outro qualquer, hoje ela teria a recompensa pelo esforço que tinha feito nos últimos dois anos. Ela tinha o sonho, que tantas outras garotas com 18 anos tem, ganhar o concurso de Miss Brasil. Ok, o sonho realmente não era ser coroada, e sim os benefícios que o titulo lhe daria.
Já tinha tentado entregar seu book em diversas agências, perdido a conta de quantas vezes foi rejeitada, talvez por ter um padrão brasileiro que não serve para ser modelo de passarela. Não concordava com a afirmativa que ouvia quando questionava para amigos o motivo de tamanho insucesso. ''Não tem essa de cabide não, você acha que eles pagam dez mil reais por um passo pra Gisele pra ela servir de cabine? Por favor...''
Os colegas da faculdade de Direito começaram a estranhar as mudanças no visual da garota no passar dos meses. Ela tinha um corpo perfeito pra maioria dos homens brasileiros, peito de pequeno pra normal e um bundão, a sintonia perfeita. Talvez não fizesse sucesso com os americanos, fascinados por sutiãs estourando pelo peso dos seios silicionados, mas fazia a grande maioria dos seus nativos virar a cabeça quando passava.
Mas ela não estava satisfeita com aquilo, tinha que ficar no padrão CIGARRO/COCA-COLA LIGHT de toda modelo internacional. Perdeu alguns quilos visíveis, os braços ficaram flácidos, os tarados nos corredores da faculdade começaram a deixar de notar sua presença, mas os produtores da agência, que geralmente não gostavam muito da fruta, começaram a ser mais simpáticos com ela. Pra completar fez uma cirurgia no nariz.
Pulou da cama, tomou um banho e comeu a primeira fruta diurética que viu pela frente. O dia seria longo, primeiro tinha que ganhar a competição regional, pra depois competir com mais 27 garotas pelo titulo nacional. Já tinha visto as outras competidoras do estado quando foram tirar a foto das concorrentes com o governador. Sem falsa modesta, não conseguiu encontrar nenhuma com mais chances que ela. Nunca se sentiu tão confiante depois disso.
Se encontrou com as outras garotas do estado no Centro de Convenções. Se preparou mentalmente pras etapas lendo um livro de auto-ajuda, cujo nome não é importante, é uma mistura de 12 passos com um ladrão de queijo. E chegou a hora. Todas as etapas passaram, traje de banho, traje noturno, seja lá quais forem as outras. Ela chegou até as três últimas. Aquele momento em que as três finalistas ficam a beira de um ataque de nervos.
Conseguia ver seus parentes na arquibancada, seu pai imóvel, preferia que a filha fosse uma juíza do interior, sua mãe sempre sonhou em ver sua filhinha como uma boneca sendo admirada pelo mundo. Estava satisfeita. As outras duas concorrentes visivelmente não eram mais bonitas que Paula, ela tentava não pensar nisso, pra não azarar. Anunciaram a terceira colocada... ROBERTA! Nem vinte quilos de Sertralina tirariam a ansiedade de Paula nessa hora. “E a MISS desse ano é... JULIANA”. Puxaram Paula para o lado, todas as câmeras foram focalizadas em Juliana, o apresentador a coroou. Paula tentava se concentrar em seus joelhos, queria cair no chão e chorar até não aguentar mais, mas precisava manter a calma.
O sonho acabou. Frase mais do que manjada, mas eu precisava colocar no texto. Paulinha passou três dias, EXATAMENTE três dias de luto. Quando sua vó morreu ela só passou 18 horas de luto, antes de sair pro cinema com seu namorado. Agora passou três dias comendo chocolate branco e tomando fanta uva no seu quarto. De vez em quando admirava seu nariz no espelho, ela gostava mais do seu nariz tortinho, mas teve que se submeter a cirurgia pra ter mais chances de ser escolhida a mulher mais bonita do Brasil. Não conseguiu nem ser a eleita do estado. Os familiares tentavam consolar, o pai ficou feliz, agora o sonho de ver sua filha magistrada voltou a tona, pensou em comprar o Código Penal comentando do Damásio de presente, mas achou que seria uma coisa muito sugestiva. Queria uma filha juíza, principalmente pra mostrar pros seus melhores amigos, que em sua maioria tinham filhos na faculdade de medicina. Malditos médicos, pensava o pai de Paula, com seus jalecos brancos e 80 horas de trabalho por semana.
No final do terceiro dia, resolveu checar o seu orkut... dezenas de mensagens de consolo de amigos da faculdade. Msn, mais uma penca de amigos dizendo que sempre tem o próximo ano. Lembrou do arcaico email... e olha, uma mensagem com o assunto: “Paula, vc foi roubada”. Apesar do português ferrado, a mensagem chamou atenção, finalmente alguém que não tentava consolar o inconsolável.
A mensagem é um pouco extensa, então vou tentar resumir em uma frase: “Paula, você não conseguiu se eleger, pq tem a porra de uma tatuagem de borboleta na barriga”. Não é piadinha de duplo sentido, mas ela realmente ficou com borboletas na barriga quando leu aquilo. Ela já tinha sentido um pouco de desprezo de suas concorrentes quando viam a minúscula tatuagem. Sentiu nojo de ter desejado fazer parte desse mundo.
Esse conto podia ter terminado com um massacre. Olha o nome “Miss Vingança”, você ta esperando alguma coisa parecida com o Kill Bill. Paula poderia ter cortado a garganta de todos os velhos babões que julgaram o concurso, eu tenho esse poder, ela vai fazer tudo que eu escrever, mas eu estou me sentido extremamente realista hoje, então vou mandar a real, como os rappers de colégio falariam, Paula tentou seguir o plano do pai, terminou a faculdade de Direito e nunca conseguiu passar na OAB. Depois da terceira tentativa, se casou com um velho rico. Teve quatro filhos, sua tatuagem de borboleta nunca mais foi a mesma. Sua filha mais velha agora sonha em ser modelo, a mãe quer que ela seja juíza.
domingo, 21 de julho de 2013
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